sábado, 7 de julho de 2012

O Espetacular Homem-Aranha | Resenha

 O Razoável Homem-Aranha


Gustavo Nazo
08 de julho de 2012

 


A beleza da história, criada por Stan Lee e Steve Ditko no início da década de 1960, basicamente se resume no fato de que um nerd, extremamente impopular no colégio, é subitamente embuído de certos poderes que lhe transformam a vida por acaso, mas não necessariamente de uma maneira positiva. 
Ao ser amaldiçoado com grandes poderes, Peter recebe também sua lição de grandes responsabilidades - e passa a ter que equilibrar sua vida pessoal com o seu alter-ego, o Homem-Aranha, prejudicando ambas as identidades. Não estuda direito, não é um herói direito, não tem dinheiro, mas adquire confiança buscando um futuro melhor não apenas para si, mas para o mundo em que está inserido. Esse Peter Parker, um personagem que resiste ao teste do tempo sem grandes alterações há 50 anos.
Em O Espetacular Homem-Aranha, atualização do personagem para os cinemas, Peter Parker não é uma vítima, mas um herói desde o início. A ideia parece boa a princípio, mas se analisada diminui o conceito de quem é e como foi criado o personagem nos quadrinhos. Parker, na pele de Andrew Garfield, não tem nada de desajeitado: ele anda de skate, usa lentes de contato e enfrenta valentões de peito aberto, e ao receber seus poderes, a única mudança é que ele efetivamente consegue derrubá-los. Essa ideia acaba roubando do personagem sua premissa básica, na qual Peter nunca desejou tais poderes e precisa, diariamente, lutar para alcançar o homem em que foi transformado. O novo Peter Parker precisava desses poderes. A diferença sutil é fundamental para que entendamos o quão genérica é esta nova versão do herói.
Focando-se somente no filme, deixando de lado o grande fã de longa data, a experiência que se tem no começo do longa é até agradável. Andrew Garfield, Emma Stone e Martin Sheen são fisicamente (apesar da idade 10 anos maior do casal protagonista que a que representam) e em tom escolhas excepcionais para os papeis de Peter, Gwen Stacy e Tio Ben. As interações entre eles são ótimas - e só melhoram na direção de Marc Webb (500 Dias Com Ela), que sabe muito bem como extrair atuações honestas desse tipo de cenas de intimidade. Mesmo que o romance se desenvolva de maneira meio estranha depois do excelente primeiro convite para encontro (basicamente, os dois vão do "que tal sairmos?" para um jantar com a família, sem escalas), a relação é tão bem atuada que esse ato do filme soa honesto e dá vontade de ver denovo. Apenas a Tia May de Sally Field está um tanto apagada, em parte devido ao foco no Tio Ben.
Mesmo que não sejam exatamente os que já conhecemos das HQs e da última trilogia - recente demais na memória para ser refutada por um reboot -, os personagens são ótimos! Mas o roteiro remendado de Alvin Sargent, James Vanderbilt e Steve Kloves exige uma carga extra de suspensão de descrença (maior do que acreditar que alguém vira uma aranha-humana ao ser picado) quando entram os elemento super-heróicos. A ciência, afinal, tem seus mistérios - e é poético e inspirador imaginar o que não sabemos, o que existe além da próxima esquina -, mas não dá pra aceitar que Gwen Stacy, uma mera estudante colegial de 17 anos, por mais brilhante que seja (e não vemos provas desse brilhantismo em momento algum, isso é um fato!), seja uma superestagiária-chefe em um dos maiores laboratórios de pesquisa do mundo, cheia de responsabilidades que serão a chave para a resolução da trama. A história, portanto, depende demais de coincidências convenientes para se manter em pé. Veja só: o pai de Peter está relacionado ao cientista Curt Connors, que por sua vez é chefe de Gwen Stacy, que estuda na mesma classe de Peter, que encontra a pasta de seu pai que contém documentos indispensáveis à pesquisa de Connors, na qual Gwen trabalha ativamente.
Essas escolhas em parte parecem motivadas pela necessidade de criar uma trilogia que tente imitar, emular o sucesso de Batman Begins de Christopher Nolan, em que o processo de desenvolvimento do herói está relacionado aos seus futuros inimigos. Diferente do filme da Warner, porém, em que essa trama funciona - pela natureza do próprio personagem - aqui parece tudo muito forçado.
A escolha do vilão, vivido por Rhys Ifans, no entanto, é boa. Na trilogia de Sam Raimi, o Doutor Curt Connors já havia aparecido duas vezes, mas sempre numa promessa de tornar-se o vilão do filme seguinte. Agora, surge diferente dos quadrinhos (sem a sua família, algo fundamental para suas motivações nas HQs) e mais inteligente, falador até. Ainda que em algumas HQs o bicho retenha inteligência, ele destacou-se sempre como um fera enlouquecida.
Essa necessidade de recontar a origem - uma das mais inexplicáveis motivações do cinema recente, sendo que ela já foi contada há dez anos na mesma mídia e o filme passa com frequência em canais abertos e públicos - é problemática. Por que não começar o filme no colegial, com Peter já transformado? O público é tão burro assim que precisa de tudo explicadinho desde o início todas as vezes??? Além de parecer desnecessária, essa ideia está muito mais preocupada em mudar o que já está estabelecido do que em mostrar uma história de como o Aranha tornou-se o Aranha.
O fato de que a história de origem dos pais do personagem, com uma rara e lamentável exceção rapidamente ignorada pelos leitores, nunca foi foco nas HQs, ajuda também no esvaziamento de importâncias na trama. O Tio Ben sempre foi a figura paterna de Peter, posição que o pai biológico jamais ocupou. Ao insistir na trama da busca das origens, o filme tira a força da relação de ambos, que é dramática para o entendimento das motivações do herói. Felizmente, Martin Sheen está ali para segurar a barra com sua presença e impedir que esse esvaziamento efetivamente ocorra.
 Ao menos, na edição final, O Espetacular Homem-Aranha - que passou por inúmeras refilmagens - tenta minimizar um pouco as alterações em relação ao que elas pareciam ser se observadas todas as cenas e fotos divulgadas do filme e que não estão na versão de cinema. O Doutor Ratha, personagem que desaparece sem explicação depois da cena da ponte, por exemplo, em um dos trailers pergunta a Peter "você acha que o que aconteceu com você, Peter, foi um acidente? Você tem alguma ideia do que realmente é?", sugerindo que o personagem seria uma cobaia do pai. Essa linha dramática, da busca do pai e a "verdade sobre ele", é descaradamente deixada sem resolução (assim como a do ladrão da estrela no pulso), como um gancho para o próximo filme, sem qualquer sensação de conclusão. Se levarmos em conta a cena pós-créditos, parece que essa ideia lamentável, uma tentativa óbvia de aproximar Peter Parker de outros "garotos que descobrem que estão destinados a coisas maiores" de franquias cinematográficas ainda voltará... mas é cedo para reclamar.
Outros momentos dignos de nota, ignorados nos filmes de Sam Raimi, também são deixados de lado aqui. Enquanto em Batman Begins, uma das musas inspiradoras de O Espetacular Homem-Aranha, Bruce Wayne tem como obstáculos a criação de seu uniforme e aparelhos, aqui a produção opta por takes velozes dando apenas vislumbres de Peter Parker costurando sua roupa e construindo seu lançador de teias (o fluido de teia ele compra na Amazon... algo que não consigo nem comentar de desgosto e que é ainda pior que teias orgânicas, pode isso?). Enfim, trata-se de um filme de origem despreocupado com o "como" e mais interessado nos "porquês" (Por que ele se transforma? Porque já era um herói interiormente, porque procura seu pai, por causa de sua herança genética...)
Tecnicamente, porém, é uma produção de primeira e competentíssima, toda filmada em 3-D (as cenas noturnas, um problema do formato, são bastante nítidas) e que busca usar a técnica de maneiras pouco vistas no cinema estereoscópico, como em sequências em primeira pessoa (pena que a música não acompanhe... a trilha sonora de James Horner foge à memória no instante em que o filme acaba). Nesse sentido, o resultado é ótimo e a ação empolga em vários momentos, com a caracterização do personagem em termos físicos mais fiel aos quadrinhos já vista nas telas. O herói se balança com leveza, assumindo posições e saltos típicos das HQs, um equilíbrio decente e satisfatório para a mal-desenvolvida história.
Enfim, Marc Webb fez um bom trabalho com o texto que lhe foi dado pelos produtores, pena que esse roteiro não esteja à altura do legado do personagem tanto nos quadrinhos, como no cinema. Se os produtores erraram ao forçar demais a mão em Homem-Aranha 3, arrancando de Sam Raimi sua liberdade criativa, e o perderam ao tentar fazê-lo mudar de ideia quanto aos vilões e o tipo de filme que Homem-Aranha 4 deveria ser, aqui erram com a mesma intensidade. Se tivesse este mesmo visual e técnicas e contasse com um roteiro menos preocupado em afastar-se do estabelecido, em direção a uma franquia inédita pelo ineditismo, que fosse mais interessado em apresentar uma história centrada, com começo, meio e fim, o novo Homem-Aranha seria realmente Espetacular. Como foi apresentado, talvez devesse ser rebatizado O Razoável Homem-Aranha.

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